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domingo, 25 de novembro de 2012

Carta Aberta à Minha Obstetra - Violência Obstétrica

Boa Noite, Dra.

Eu, depois de de quatro anos e meio do primeiro parto e dois anos e meio do segundo, resolvi finalmente colocar para fora coisas que vêm me incomodando há muito tempo. Eu carrego uma dor comigo. Uma dor que surgiu com a informação de que fui violentada. Fui violentada na minha vontade de parir. Fui engolida pelo sistema porque confiei em você.
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Parto número 1
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Recém-chegada em Cuiabá, engravidei e busquei indicações de médicas obstetras. Uma amiga me deu seu nome e logo adorei você. Você era segura e direta, como eu gosto dos meus médicos. Uma simpatia. Nem procurei outra. Olhava nos seus olhos e tinha certeza de que estava em boas mãos.

Na primeira consulta do pré-natal de Helena (eu me lembro como se fosse hoje), eu declarei meu desejo: Quero ter parto normal, você faz?
-Claro, se estiver tudo bem, não há problemas. Só tem uma coisa... eu só faço sem anestesia.
Aquilo me deu uma baqueada, mas eu pensei rápido e resolvi: pela minha filha, vale à pena.
-Tudo bem!

Tudo ia bem e, no quinto mês, você falou que achava difícil eu ter o bebê por parto normal, mas disse que esperaríamos.

No último ultrassom, você me pediu para fazer com o médico seu amigo que logo me apavorou! O bebê é enorme para você!!!!! Você vai sofrer muito nesse parto!!!  Até aqui eu estava firme. Mas aí, veio o golpe de misericórdia: o bebê vai sofrer muito!

Meu mundo caiu... meu bebezinho ia sofrer por causa da minha escolha. Eu essa mãe malvada que queria parto normal. Depois voltei ao seu consultório, precisando de apoio e de sua opinião, afinal, você era meu porto seguro, a pessoa que eu mais confiava naquele momento. E, sem piscar, você disse: então vamos marcar para 39 semanas.

Embora tenha chorado nos braços do meu marido naquela noite (você sabia, doutora?) pela dor de não poder participar ativamente do nascimento de minha filha, confiei... "a Dra. falou que precisa para que meu bebê fique bem".

A cesárea foi agendada e lá fui eu para o hospital com o coração na mão. Na hora do parto, descemos para o centro cirúrgico e só lá na porta, disseram ao meu marido que ele tinha que trocar de roupa. Enquanto ele foi para o vestiário, um monte de gente, sem nem me dar boa tarde, me carregou para a sala cirúrgica e me deu anestesia (reclamando que eu tinha inchado muito e estava difícil de pegar), me deitou, amarrou meus braços e minha perna. Todos conversavam alegremente. Acho que ninguém percebeu que eu estava quase em pânico. Aí veio a náusea... um enjoo insuportável. Eu perguntava onde estava meu marido e o anestesista me falou que ele só poderia entrar depois.

Você estava super calma, mas você faz isso todos os dias, né? Eu nunca tinha feito uma cirurgia.

Quando reclamei das náuseas, o anestesista colocou um pano do lado da minha boca e disse: pode vomitar! Como? De barriga pra cima e amarrada? É... "vira a cabeça e vomita". Vem cá, vomita o que se estou a 15 horas sem comer e há umas 8 sem beber água?

Nessa hora, meu marido entrou, esbaforido e pegou na minha mão, perguntando porque eu estava tão branca. Na hora as náuseas melhoraram. Ai, o anestesista: papai, corre que o bebê está nascendo.

E Helena nasceu depois de um puxão. O pediatra me trouxe ela para que eu olhasse, batemos uma foto e, enquanto eu ainda chorava de emoção, todo mundo, exceto o anestesista, saiu da sala. TODO MUNDO!!!!! Minha filha, marido, médicos... Eu nem pude tocar nela (lembra que eu estava amarrada?).

Vendo minha angústia ele perguntou:
-O que foi?
-Eu quero ver minha filha (murmurei)
-Nessa hora é assim mesmo, só fico eu. Daqui a pouco eles voltam.

Devo fazer um aposto aqui. Embora eu não lembre seu nome (acho que, na verdade, nunca fomos apresentados), esse anestesista foi quem melhor me tratou durante todo o parto. Ele até me perguntou se eu queria ou não sedação após o parto (mais pra frente eu explico essa gratidão). Ele foi realmente muito simpático e educado o tempo todo e ficou comigo até o final.

Eu não sei quanto tempo foi. Acredito que pouco, mas para mim pareceram anos. E volta a Helena, escovada, lavada, embrulhada. No outro dia, fui ver nas filmagens e fotos que ela teve tubos enfiados na boca e nariz, tomou banho e que depois dela vestida, tirou fotos com você, com as enfermeiras e com a avó enquanto eu estava desesperada para sentir seu cheirinho, tocar sua pele.

Depois eu lembro que você deu tchau e só fui te ver mais de 24 horas depois!!!!

Pelo menos, me deixaram amamentá-la e a enfermeira me ajudou muito nisso.

Daí para a frente tudo correu bem.


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Parto número 2
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Foi então que, resolvemos engravidar de novo. Helena tinha 18 meses. E conseguimos de primeira!!!! Foi uma felicidade só.

Voltei lá no seu consultório. Afinal, eu confiava muito em você. Até indicava para todo mundo que eu conhecia.

Aí, quando elas estavam com 28 semanas, eu entrei em trabalho de parto. Fique internada no São Judas Tadeu, que não tem UTI neo-natal. Eu estava no quarto com duas amigas e, quando você entrou eu falei:

-Doutora, eu estou com muitas dores (leia-se: estou em trabalho de parto!!!!!!! E apavorada que as minhas filhas nasçam tão cedo)
-Ué, você não queria ter um parto normal? É assim!

Puxa vida, doutora... eu não tinha medo da dor. Tinha medo da morte das minhas filhas que ainda tinham menos de 1kg cada e que nasceriam em um hospital sem a estrutura necessária. Era hora de brincadeira ou de apoio?

Passou e depois de vários TP prematuros segurados com muita inibina, (e tenho que falar que você me atendeu 100% das vezes que liguei, o que já é coisa rara em médico hoje em dia), eu estava morta. Em uma cama, sem poder me mexer pelo peso, cansada e sonhando em poder caminhar um dia. Minha exaustão emocional era visível e eu chorava constantemente. Mais uma vez, tenho que ser justa e dizer que você parecia ser a única pessoa que me entendia. Eu sentia como se você fosse minha confidente. Eu amava você doutora. Seu rosto me trazia tranquilidade.

Quando com 34 semanas eu, sem absolutamente nenhum problema de saúde, dei entrada no hospital, já com dilatação, você nem cogitou PN! Chamou anestesista, pediatra e, uma hora depois minhas filhas tinham nascido e todos iam para casa.

Desta vez eu estava mais calma. Meu marido ficou ali desde o começo, eu já conhecia o procedimento. Mas aí a coisa ficou preta. Minhas princesas nasceram e eu, mais uma vez, não pude segurá-las. E minha dor seria maior ainda. Porque a anestesista desta vez, não foi tão gentil. Ela me sedou e nem me avisou. Era de madrugada e vocês todos foram embora.

Você sabia, doutora, que eu fiquei não sei quantas horas num corredor escuro só ouvindo o barulho dos instrumentos cirúrgicos sendo guardados pelas duas moças que estavam trabalhando lá? Você sabia que eu fiquei não sei quantas horas acordadas, brigando com a medicação e tentando mexer minhas pernas para poder ir ter notícia das minhas filhas? As moças diziam:
-Dorme mãezinha, descansa.
-Nunca vi uma mãe brigar tanto com a sedação.

-QUE SEDAÇÃO!!!! EU NÃO QUERO DORMIR!
Eu queria gritar mas a boca não abria de tão mole que eu estava. Só conseguia abrir os olhos e escutar as moças.

Depois, no quarto, eu queria ir na UTI ver meus bebês. Mas você só apareceu no final da tarde e ninguém tirou minha sonda nem deixou eu levantar. Eu perdi dois horários de visita. Portanto, minhas filhas nasceram às 23:30 do dia 15/07 e eu só pude vê-las às 20:00 do dia 16/07. Você viu o quanto eu chorei?

Você sabe o quanto ainda choro? Eu não choro porque fiz duas cesáreas, doutora. Eu choro porque com as meninas ainda na UTI eu conheci uma mãe de 1,50 m que teve um bebê de 5 kg e estava andando por lá. Nesse dia eu soube que a Helena tem 3,850 kg, não era motivo suficiente para uma cesárea.

Eu choro porque descobri que hoje em dia uma cesárea anterior não é impedimento para um parto normal e você não me falou. Você não me perguntou o que eu queria.

E você pode achar besteira. Afinal, que diferença faz, se os bebês nasceram e estão todos bem? Eu choro porque o corpo é meu e você mentiu para mim, para fazer dele o que você queria.

Eu choro, doutora, porque eu te amei, e você me traiu! Eu estou chorando de novo... e você?

Hoje é dia da luta contra a violência à mulher. Então eu resolvi que preciso colocar isso para fora. Dizem que a cura do trauma começa quando a gente fala sobre isso. Então resolvi falar. Eu não quero que outras mulheres passem por isso.

3 comentários:

Livia Luzete disse...

Renata, minha amiga,sei bem o que vc fala,sei de sua dor...eu ainda não postei no meu blog o parto de meu filho ha quase 22 anos atrás...mas está ai o título do post "carta aberta ao obstetra"...

Um beijo,querida.

Anônimo disse...

O seu depoimento me emocionou muito!As vezes a gnt pensa que está assegurada dos melhores cuidados pelo simples fato de ter um bom plano de saúde e no fim das contas somos atendidas por profissionais horríveis.Uma realidade cada vez mais comum nos partos brasileiros.TRISTE!

Rayana disse...

Ola vc nao lembra o nome dessamedica pois hj faço pre natal com a dr que atende nesse hospital a dr andressa fiquei meio reciosa com tudo.isso.